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O BLOG DO V-P

SOBRE A PAIXÃO OUTONAL: PRIMEIROS TÓPICOS

1- Fiquei de escrever alguma coisa sobre a dolência do amor outonal, movimento do apetite sensitivo daqueles que se encontram nel mezzo del camin e, súbito, atraídos integralmente por entes reais singulares amoráveis, são vocacionados à consecução de seu bem o mais plenário possível. A nota essencial desse amor —o fato de ser outonal— é a do meridiano etário do sujeito passivo que, de comum, porém, renova-se com esse movimento, rejuvenesce-se —com todos os riscos adjetos desse regresso (ou, quando o lastimável caso, de um retorno)—, dando ensejo à figura da “volta primaveril”, a que não faltam, aqui e ali, os traços da risível desproporção entre o suposto passional maduro e a atração amorosa com rasgos juvenis. Por isso, é freqüente o cariz de pateticidade nessa dolência tardia. Não é raro atribuir-se essa paixão (dita) intempestiva ao demônio do meridiano —seja, como pensam alguns, simples referência metafórica ao declínio das forças psicológicas e físicas dos homens de mais de 50 anos, seja, como pensam outros, uma indicação de pessoa espiritual singular e pervertida logo após a criação do universo.

2- A visível contemporânea degradação do amor humano sugere-me, neste passo, para tentar melhor apreender o conceito da paixão outonal, isentando-a de uma pejoração essencial (: em suma, a meu ver, haverá boas e más paixões outonais), regressar ao tema da Doutrina do Perfeito Amor, segundo, com minhas pobres forças, a recrutei em DANTE, investiguei-a na palpitante obra de AFONSO BOTELHO, pude instruir-me com os escritos de LUGONES e, sobretudo, aprofundar-me nas sábias meditações de RAMÓN LLUL. Quero dentro em seus lindes situar a paixão outonal eticamente admissível.

3- Conquanto, redundando sobre si próprio, o amor do stil nuovo nutra-se também da vontade que o move, ele se dirige ao cultivo honesto (i.e., cortês) do ente amorável. Essa redundância íntima não o idealiza, porque ele converge a um ente real, cuja amorabilidade recolhe intensamente, de tal maneira que, embora o amante cortês seja sujeito de paixão, transcende-a ao cultuar o ente amorável e real —um alter—, buscando-lhe todo o bem possível. Heróico, o amante do amor cortês cultiva a continência como preservação do próprio amor que, elevado, não admite nada que o rebaixe no plano espiritual. O que não implica recusar valor à fusão dos sexos, remate maior do amor humano. Todavia, isto sim, reclama submeter essa fusão, indispensavelmente, à instância ética que conserva e exalta a espiritualidade do amor cortês. Por isso, o amor do stil nuovo só pode ser amor entre homem e mulher.

4- Amor, assim o disse, entre homem e mulher, reduplicativamente, enquanto tais, em sua inteireza de forma e de matéria (scl., de alma espiritual e corpo). Não se confundem, pois, de um lado, o amor cortês (ao modo da Doutrina do Perfeito Amor) e, de outro, o amor fraternal (ou ainda o filial, o paternal, o maternal), porque o amor fraterno é amor destituído, por natureza, de impulsos concupiscentes, é amor elevadíssimo e puríssimo, não, porém, amor entre homem (homo qua homo) e mulher (mulier qua mulier), mas de homem enquanto irmão, de mulher enquanto mãe, de homem ut pai, de mulher qua filha etc. O amor do stil nuovo, pois, convive essencialmente com um estrato carnal, que exige a continência heróica, ou seja, a contenção da cortesia nas fronteiras da honestidade exterior e interior (: perseverante retificação de intenções). Só assim se entenderá que seja um amor superior, o amor-tipo do cavaleiro cristão: “trovador da beleza íntegra da mulher amada, a mulher, quase à espartana, senhora da Cortesia, que exige a pureza do heroísmo, a peleja pela justiça, em troca não mais do que um sorriso e uma saudação” (apud postagem abaixo, “Cavaleiro e Trovador, Trovador e Cavaleiro”).

5- O amor idealista (: dito platônico) é amor imanente, é uma fraude do amor, é mero amor do amor (amor amoris), não se reparte, é egocêntrico, seu amorável é a íntima satisfação do sujeito passivo, é, como eu disse em postagem precedente neste blog, “uma recusa do pecado original concertada com a busca do Paraíso perdido”.

(Prosseguiremos, se DEUS quiser).

2 comentarios

VP -

De começo, recomendam-se DANTE, LLUL, LUGONES e AFONSO BOTELHO. E, para não dizer que não indiquei trivialidades (com que eu, pessoalmente, não perderia tempo), leia-se "A Trilogia do Camponês de Andorra" (as duas últimas partes).

VP

ED -

Haverá indicação de leitura complementar para que se acompanhe o raciocínio(interrogação)