Blogia
O BLOG DO V-P

Para uma hermenêutica realista

Ainda, os cultores e executores do Direito, estamos a saldar o trágico preço do irracionalismo normativista. Persiste, malgrado a fulminação teórica dos supostos ideológicos de KELSEN, o fascínio reducionista de a hermenêutica ser uma arte de "interpretação das leis". Não parece muito visível a afirmação de um mundo real que interesse aos juristas, ocupados de adivinhar as letrinhas de seu mundo encarcerado. Sucumbem muitos ao drama de acolher, quanta vez sem consciência disto, que é um pressuposto ideológico (o do normativismo de Kelsen) o obstáculo à aferição dos pressupostos ideológicos dos diferentes sistemas e métodos do Direito. O discurso kelseniano, irracionalista, é um discurso de clausura de todos os discursos adversos.

Redescobri um texto de AFONSO BOTELHO. Já o reinventei às dezenas. Está em seu Teoria do Amor e da Morte. Diz BOTELHO:

"Não nos admiremos (...) que o Amor se degrade e se anule tão facilmente entre os homens, nem nos escandalizemos se essa anulação estiver prevista, regulada e promovida na constituição dos povos". (Abro aqui um parêntese para juntar um excerto seqüente desse autor, ao afirmar, com maestria: "desde que o homem é homem ... a mulher sua justificação de amar").

Texto admirável! Pode, efetivamente, dar-se que leis aparentes degradem a realidade, confrontem o amor dos homens, maltratem o amor de DEUS. Não serão verdadeiras leis, antes corrupção delas. Não importa que estejam grafadas nas constituições. Elas passam, DEUS, bem o advertiu um político hispânico, DEUS não morre.

A verdadeira hermenêutica é ciência e arte de interpretar a inteira realidade. É ciência e arte de desvelar "o ser encanto ser" (nas palavras de AFONSO BOTELHO), num movimento ingressivo no mysterium de cada ser. Inventa-se o nomen, desvenda-se o sinal, para ingressar no numen íntimo das coisas. Ir ao ser, apreender a realidade: esse é o núcleo de uma hermenêutica realista.

 

 

0 comentarios