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Um equívoco na interpretação gestual

Um equívoco na interpretação gestual

A interpretação jurídica —eminentemente práticanão se limita a textos escritos. Há normas que se extraem de símbolos orais (ex.: as ordens judiciárias em uma sessão do Tribunal), fônicos (v.g., os apitos de um guarda de trânsito), iconográficos (assim, as placas), luminosos (no semáforo, ou nas emissões comunicativas entre navios etc.).

Há também normas aferidas de gestos. SANTIAGO NINO refere-se, por exemplo, à norma que o pai ensina ao filho que há de depor o chapéu ao ingressar nas igrejas.

A extração da norma objeto de gestos apresenta problemas interessantes de interpretação. Dou-lhes disso um exemplo sobre o qual tive a ocasião de meditar em quadro mais amplo.

De comum, outrora, antes do tergiversante Concílio pastoral Vaticano II, o sacrário costumava situar-se no centro do altar, ponto natural de convergência das atenções sensórias. Instalada a crise por que ainda passa atualmente a Igreja Católica (: a militante, nota bene) —crise que seus próprios Papas vez por outra reconhecem—, muitas igrejas passaram a ubiquar o tabernáculo em sítios laterais. Até aí, assunto primacial de arquitetura de interiores (mas, convenhamos, também, quodammodo, envolvendo questões de Fé —que não deixam  de ser assunto de arquitetura de interiores…; ou seja, não se trata já do aforismo lex orandi, lex credendi, mas deste outro: lex ponendi, lex credendi).

Era também comum, outrora, que os católicos, com reverência, nas igrejas, genuflectissem no sentido do sacrário, em testemunho e homenagem ao objeto de sua Fé na Presença Real de JESUS CRISTO. Com a deslocação arquitetônica do sacrário, em tantos casos, para lugares laterais das igrejas, coisa curiosa se vê: alguns católicos continuam a ajoelhar-se na direção do centro do altar, onde antes era dominante a localização do relicário.

Assim, a norma apreendida por esses católicos não foi a da genuflexão reverente ao Cristo em Presença Sacramentada, mas, isto sim, a de genuflectir para o (centro do) altar. Já tive ocasião de, numa igreja em A***, permanecer largo tempo a verificar a freqüente prática de uma genuflexão para o altar vazio, ao passo em que os saudadores não reverenciavam o sacrário situado perifericamente.

Não surpreende, diante desse equívoco interpretativo, cada vez mais comumente, ver católicos que permanecem sentados —mulheres, jovens, crianças e homens feitos, estes (com perdão!) tomando ares de matronas desanimadas— durante a repartição da Sagrada Forma. É de recear que, para eles, a Presença Eucarística não pareça mais do que uma simples presença espiritual, ou figurada, metafórica, comparável, assim o disse ROMANO AMERIO, à presença de Beethoven em uma de suas sonatas.

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